Um Sorriso ou Dois



Era uma manhã de segunda-feira, minha cabeça girava, redemoinhos surgiam no teto, talvez fosse a falta de sono ou a bebedeira da noite anterior. Tateei a cama em busca do celular "droga, 7:20. estou atrasado pra faculdade novamente" levantei rapidamente, tropeçando em algum dos sapatos espalhados pelo chao do quarto. "Droga, droga,droga" repetia para mim mesmo enquanto buscava peças de roupas limpas. peguei minha carteira e ao abri-la deparei com uma unica nota de dois reais amassada no fundo "droga, gastei todo meu dinheiro com bebida novamente, nao tenho dinheiro nem pro onibus" tranquei rapidamente a casa e sai apressado. a pé chegaria na faculdade em 45 minutos. corri ladeira acima, minhas pernas ja sentiam a dor do cansaço. parei no sinal vermelho, uma moradora de rua me chamou atenção, ela usava uma blusa da banda queen rasgada em varias partes, um jeans surrado, ela colocava o cabelo cacheado atras da orelha numa maneira inutil de conter o fizz, em uma das maos tinha um saquinho marrom de onde saia um cheiro delicioso. acho que ela percebeu meu olhar, talvez para ela ou para o saquinho que carregava.
-Quer um pouco moço? - ela me disse abrindo um enorme sorriso, os dentes amarelos mostrava seu vicio em cigarros ou alguma droga do tipo. pela primeira vez desde que me mudei pra são paulo me senti feliz com o gesto de carinho.
-Não moça, muito obrigada. - meu estomago roncava, por causa do horario não tive tempo de tomar cafe da manha, aquele cheiro me atordoava.
-Pode pegar um, eu nao mordo moço - novamente sorriu e me sentia tao tranquilo, tao bem ao lado dela. - a proposito para onde estava indo com tanta pressa?
sentei ao seu lado na calçada, peguei um dos paezinhos e sorrir em agradecimento
- estava indo para a faculdade - sorrir ao lembrar da felicidade dos meus pais quando vi meu nome nos aprovados do vestibular de medicina da USP, meu sonho era ser medico, porem no ultimo mes estava dando mais valor  as festas do que a propria faculdade - acabei de passar em medicina e essa ja é a 6 vez que atraso para a aula nesse semestre - a gargalhada foi inevitavel.
ela me olhou e pude perceber que seus olhos cor de ambar tinha um brilho diferente.
- que fantastico. quando eu era pequena tambem queria ser medica, queria me especializar em cancerologia - ela deu uma pausa, olhando pra cima, talvez tentando conter as lagrimas que teimavam em rolar sob suas bochechas rosadas com marcas de sujeita.
- esqueci de me apresentar. meu nome é Fernando
- meu nome é Lena.
olhei a hora no meu celular, naquele momento so queria ficar ali ao lado daquela garota que menos tem mas quis dividir.
- sabe fernando - ela abaixou a cabeça sorrindo em direção ao chao -  meu pai era pedreiro e minha mae catava latinhas para completar nossa renda, ela sempre queria que eu e meu irmao fossemos alguem na vida, nunca deixou a gente trabalhar. nao queria o mesmo futuro para nos dois. quando completei 14 anos, descobrir que ela estava com cancer, meu pai havia morrido a menos de um ano. meu irmao teve que largar a faculdade de engenharia para sustentar nos duas, eu prometi para ela que seria medica, que iria ser cancerologia e iria curar ela do cancer de estomago. era horrivel ve-la numa cama vomitando sangue, nos seus ultimos segundos de vida, fez eu e o Bernardo prometer que iriamos nos formar e ser otimos profissionais. - ela fez uma pausa longa, queria tanto tocar sua mao, mostrar que ela nao estava mais sozinha - as coisas começaram a ficar dificeis pra mim e pro Bernardo, nos dois trabalhavamos mas nao dava nem para comer, lembro das inumeras vezes que iamos dormir com fome sem ter um unico real... foi ai que o Bernardo começou a traficar maconha, eu nao queria ele mexendo com aquilo, mas era a unica forma de termos dinheiro... de fugir da pobreza. finalmente tinhamos dinheiro para sair daquele buraco imundo - suas voz se alterou, suas maos estavam fechadas em formas de punhos ao lado do corpo, sua testa se contraiu formando pequenas rugas em cima da sobrancelha, nao consegui decifrar sua expressao. - alugamos uma casa, estavamos felizes, ate que os traficantes da zona sul descobriram que ele vendia a droga por um preço menor, o encurralaram, mataram da pior forma possivel, o esquartejaram e jogaram seus membros numa ribanceira - ela começou a chorar mais, suas lagrimas se misturavam a sujeita do seu corpo, dando uma cor amarronzada as mesmas. - o corpo dele so foi encontrado 3 dias depois, ele acabou sendo enterrado como indigente. depois que ele se foi eu nao tinha mais dinheiro, eu nao tinha mais ninguem, nao tinha mais nada, entao minha unica opção foi vim para as ruas. Meus pais batalharam tanto para que pudessemos ter uma vida melhor e olha como eu e ele acabamos. 
eu a abracei enquanto sentia suas lagrimas molharem minha camisa polo, a essa hora ja estaria louco com uma morada de rua sujando minha camisa de marca, naquele momento toda minha vida passou pelos meus olhos. meu sofrimento nem se comparava ao daquela garota, sempre tive tudo do bom e do melhor, com pais empresarios e donos de uma multinacional eu desconhecia o que era pobreza. olhei em seus olhos, vi meu reflexo refletido na iris dourada. toquei seu rosto e a beijei, senti uma onda de calafrios percorrer por todo meu corpo, finalmente eu estava completo. 

anos depois 
- por favor doutora Lena Carter comparecer a sala de cirurgia.
suas maos era precisa enquanto dava os ultimos pontos, quase 7 horas na sala de cirurgia para tirar um tumor maligno no cerebro de um paciente. Mais uma cirurgia bem sucedida.
Havia se passado mais de 15 anos desde que encontrei Lena pela primeira vez na rua vivendo como mendiga. muita coisa mudou desde entao, nos casamos, tivemos 2 filhos e ela pode finalmente cumprir a promessa que fez aos pais. ser cancerologia e salvar vidas. 

Carla Azevedo

















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Kleyde Azevedo. Canceriana, 25 anos, Baiana, Escritora, 5 livros publicados, Engenheira Eletricista e pós graduanda em energias renovavéis. Apaixonada por Harry Potter, livros, séries, chocolates, cheiro de chuva, culinária e viagens. Fotógrafa amadora e atriz nas horas vagas. Não começa o dia sem uma xícara de café nem termina sem uma de chá.

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